A ausência de um plano detalhado de alerta à comunidade contraria a legislação federal e destoa do que diretores da Samarco vêm dizendo desde que a barragem do Fundão se rompeu, no dia 5.
A mineradora afirmou que avisou a comunidade sobre a tragédia por telefone, mas os planos não trazem o número de nenhum morador. A lista de contatos no documento inclui apenas telefones de agentes públicos –e parte deles ainda está desatualizada.
As mineradoras são obrigadas por lei a fazer um plano de emergência para cada barragem. O documento deve explicitar as ações imediatas em caso de incidente e as pessoas que precisam ser avisadas.
A portaria nº 526/2013, do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), que define o conteúdo do plano de emergência para barragens, diz que "cabe ao empreendedor alertar a população potencialmente afetada" na "região abaixo da barragem onde não há tempo para intervenção das autoridades".
O rompimento da barragem da Samarco devastou Bento Rodrigues, matando ao menos oito pessoas. Outros quatro corpos aguardam identificação e há 11 desaparecidos.
A Samarco só instalou alarmes sonoros na região, em carros, depois da tragédia.
A Folha teve acesso aos planos de emergência entregues ao governo de Minas, em 2014, e ao federal, em 2015.
No documento entregue ao governo de Minas, a Samarco diz que "a responsabilidade por avisar e remover as pessoas em risco iminente é da Defesa Civil". Sua função seria detectar, tomar decisões e notificar (sem especificar a quem). Alertar, executar alarmes e evacuar áreas seriam obrigações das autoridades.
No plano entregue ao governo federal, a Samarco reconhece como sua atribuição "alertar a população", mas não diz como o faria. O fluxograma de notificação, com os responsáveis por cada tarefa, não consta do documento.
Afirma ainda que, em caso de ruptura, "as ações não são desempenhadas apenas pela Samarco", sendo necessária a atuação pública no contato com a população.
A empresa diz que os documentos tiveram "aprovação dos órgãos públicos".
Os planos trazem telefones de funcionários da Samarco, de Defesas Civis e da prefeitura que deveriam ser contatados em caso de emergência.
Quatro celulares constam do plano. Um deles pertence a um estudante, que diz ter o número há dois anos. A pessoa que atendeu em outro número disse que o chefe da Defesa Civil citado no plano não atua no órgão há sete anos.
Após a tragédia, o coordenador do plano de emergência da Samarco, Germano Lopes, disse que a empresa ligou para moradores. "Fizemos a comunicação para as pessoas e isso gerou uma mobilização e um salvamento. Adotamos o telefone para avisar as pessoas." Mas não respondeu quem foi contatado.
O coordenador da Defesa Civil-MG, Helbert de Lourdes, diz que não tinha cópia do plano e que foi avisado da tragédia pela PM. Mesmo se tivesse o plano, diz, seria "inócuo", porque o órgão só atua após tragédias, não com prevenção.
PREFEITURA SEM O PLANO
Por lei, a mineradora Samarco deveria ter entregue uma cópia física do plano de ação de emergência da barragem do Fundão, que se rompeu no dia 5, à Prefeitura de Mariana, que diz não ter o documento.
"Não temos esse plano. Vou me reunir hoje [quinta, 19] com a Samarco e entregar pessoalmente a eles ofício solicitando o documento", afirmou Rodrigo Carneiro, secretário de Meio Ambiente da cidade.
O prefeito, Duarte Júnior (PPS), disse não ter condições de confirmar se o município possui ou não uma cópia porque está há pouco tempo no cargo. No meio deste ano, o prefeito eleito, Celso Cota (PSDB), foi destituído após ser condenado por improbidade administrativa.
A portaria nº 526/2013, do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão do Ministério de Minas e Energia, determina que o plano tem de ter capa vermelha com o nome da barragem em destaque.
Cópias precisam ser entregues para as prefeituras, Defesas Civis estaduais e municipais e Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres), do Ministério da Integração Nacional. As assessorias da Defesa Civil estadual e do Cenad dizem ter recebido o plano em junho.
No caso do Cenad, a cópia precisava ser enviada em formato digital pelo site do órgão, mas a ferramenta não existe. "A página passou por reformulação, o que não inviabilizou o recebimento dos planos", afirma o órgão. A Samarco foi questionada sobre a ausência de uma cópia do plano na prefeitura, mas não comentou o caso.
OUTRO LADO
Os planos de ação de emergência entregues ao governo de Minas Gerais e ao governo federal pela Samarco foram elaborados por "empresas de excelência e expertise no mercado" e tiveram "aprovação dos órgãos públicos", segundo afirmou a empresa à Folha, por meio de nota.
"Os planos determinam as obrigações da empresa e as ações que devem ser tomadas na ocorrência de acidentes e foram cumpridos pela Samarco de imediato, mobilizando a Defesa Civil, Bombeiros e Prefeitura de Mariana", diz a nota da mineradora.
A resposta da empresa não cita o alerta aos moradores. A Samarco afirma ainda que está realizando, em conjunto com os órgãos responsáveis, ações de resgate e auxílio às vítimas da tragédia.
Em entrevista à imprensa em Mariana no dia seguinte à tragédia, o coordenador do plano de emergência da Samarco, Germano Lopes, disse que a empresa contatou moradores da região afetada por telefone para avisá-los do rompimento da barragem.
A reportagem questionou a empresa sobre a ausência, no plano de emergência, de uma estratégia de alerta para Bento Rodrigues e da falta da lista de telefones de moradores no documento. A Samarco não respondeu.
A mineradora também não respondeu quantas ligações foram feitas nem revelou para quem telefonou no dia.
Só depois do rompimento da barragem no dia 5, que resultou em oito mortes, a empresa colocou alarmes sonoros, em carros, na região.
A Folha procurou o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia que fiscaliza as atividades de mineração no Brasil, para saber se o plano foi aprovado mesmo sem prever o alerta à população, mas não obteve resposta.
A Secretaria de Meio Ambiente de Minas, que também tem papel de fiscalização, afirma que os planos de emergência de barragens são avaliados, mas não comentou o caso específico da Samarco no município de Mariana.
OBRIGAÇÃO
Segundo o engenheiro e consultor em barragens de mineração Jehovah Nogueira Júnior, com experiência em mais de 40 delas, os órgãos ambientais têm a obrigação de analisar os planos de ação de emergência e, se for o caso, sugerir modificações e aprová-los ou reprová-los.
Ele confirma que cabe à mineradora notificar a população que vive em área próxima à barragem, segundo exige a legislação vigente.
Um geólogo do DNPM que pediu para não ser identificado disse à reportagem que a entrega do plano é como "declarar Imposto de Renda". "Informa-se o que se quer."
Segundo ele, por falta de recursos e funcionários, nem sempre tudo o que chega ao órgão é analisado. Devido ao baixo valor das multas em caso de descumprimentos de obrigações, diz o geólogo, as mineradoras não têm cuidado na elaboração dos planos.
Fonte: Folha de São Paulo
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